quinta-feira, 3 de março de 2016

RPC - Concreto de Pós Reativos

Passarela da Paz, em Seul, na Coreia do Sul. Projetada em 2002 pelo arquiteto Rudy Ricciotti, o tabuleiro sobre o arco de 120 m tem apenas 3 cm de espessura
Nos últimos 20 anos, com o estabelecimento de novas metodologias de dosagem de componentes, domínio dos aditivos, e a progressiva associação de minerais ultrafinos (pós-reativos) e microfibras metálicas ou orgânicas, chegou-se a uma geração de concretos de ultra-alto desempenho. O novo material foi desenvolvido a partir do HPC (high performance concrete) e, no Brasil, é conhecido como CPR (concreto de pós reativos). A palavra "pós", no caso, é plural de pó, e refere-se aos ultrafinos da composição. Em inglês, RPC (reactive powder concrete), e em francês, BFUP (beton fibré à ultra performance).
O primeiro exemplo de uso desse concreto é de 1997, na construção da passarela de Sherbrooke, Canadá, que teve assessoria do professor Pierre Claude Aïtcin, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Sherbrooke.
O concreto de ultra-alta resistência consiste, basicamente, na mistura de cimento de alta reatividade, sílica ativa (por ser uma pozolana de alta reatividade e efeito fíler), pó de quartzo, agregado miúdo, microfibras de aço ou orgânicas (de 2% a 4%, e de 1 mm a 13 mm de comprimento e 0,15 mm a 0,2 mm de diâmetro), aditivo superplastificante (que viabiliza a baixa relação água-cimento, em torno de 0,15 e 0,2) e água. Em relação aos concretos convencionais, esses produtos de última geração apresentam resistências à compressão até oito vezes superior, e à flexão, dez vezes maior. Isso significa uma resistência à compressão entre 150 e 250 MPa (bem superior  aos 20 a 30 MPa dos concretos comuns), e mesmo dos 120 MPa dos concretos de alto desempenho (CAD/HPC) da geração anterior e já bem difundidos. Quanto à tração na flexão, a resistência fica entre 20 e 50 MPa, dependendo do tipo de fibra (metálica ou orgânica). Em laboratório, no entanto, já são desenvolvidos concretos capazes de resistir a compressões superiores a 800 MPa, preparados com agregados metálicos, cura sob pressão e tratamento térmico.
No entanto, o novo produto não se diferencia dos demais apenas por sua elevada resistência mecânica. Eminentemente estrutural, reforçado por fibras, ultracompacto e homogêneo, o material apresenta, no estado fresco, uma consistência fluida mais próxima da argamassa do que do concreto, por não ter agregado graúdo em sua composição.
Estação de metrô de Shawnessy, Calgary, Alberta, Canadá
Auto-adensável, o novo material dispensa equipamentos de vibração e é excelente tanto na moldagem de pré-fabricados quanto na recomposição de estruturas deterioradas, uma vez que adere facilmente a outros concretos. Sua estrutura muito compacta após a cura, graças aos minerais ultrafinos, torna o concreto pouco poroso e pouco permeável à umidade, aos gases e substâncias agressivas do meio ambiente. Consequentemente, o concreto é mais durável e resistente à corrosão. A junção de fibras confere, ainda, ductilidade, que propicia uma alta capacidade de deformação em tração, comparável à do ferro fundido, da ordem de 1% a 2%, tornando o uso de armadura desnecessário, no caso de estruturas muito delgadas. Sua baixíssima relação água-cimento - em torno de 0,15 e 0,2 -, conseguida pela adição de aditivo superplastificante, elimina os espaços vazios para a ocorrência de variações volumétricas e torna o produto pouco poroso e atrativo para o uso em concreto protendido.
Passarela de Sherbrooke, Canadá, 1997.
Primeira estrutura executada com reactive powder concrete


Um produto e suas aplicações

O primeiro exemplo dessa nova geração de concreto de ultra-alto desempenho, lançado no mercado em 2001, pré-dosado e pronto para uso, é o Ductal, da Cimentos Lafarge. Com base na concepção de concretos de pós reativos, o produto foi desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Lafarge, da construtora francesa Bouygues e da indústria química Rhodia. Durante 15 anos, as pesquisas foram realizadas nos laboratórios da Bouygues e no Lafarge Centre de Recherches (LCR), na França. Atualmente, o Ductal continua sendo estudado no LCR, mas já é fabricado na Europa e nos Estados Unidos pela Lafarge, e por suas associadas, no Japão, pela Taiheiyo e TCC, e na Austrália e Nova Zelândia, pela VSL/Austrália. Essa nova gama de produtos apresenta três tipos: o FM, com fibras metálicas, para aplicações na engenharia civil, como estruturas de suporte de grandes cargas; o AF, variação do tipo anterior, com as mesmas propriedades mecânicas e que inclui resistência ao fogo; e o FO, com fibras orgânicas, para execução de painéis arquitetônicos, objetos de arte e mobiliário.
O Ductal é fornecido sob encomenda, em pacotes de pré-mistura. Segundo o fabricante, pode ser exportado e resiste bem melhor às longas travessias marítimas do que o cimento convencional. Caso o cliente deseje, o concreto pode ser oferecido em cores, pois a massa pode ser tingida e hidrofugada.
A alta resistência à compressão oferecida pelo material possibilita a execução de estruturas mais leves - tanto em volume quanto em peso -, esbeltas, com baixo custo de manutenção e uma vida útil muito maior, se comparada à do concreto preparado com materiais convencionais. Na construção civil, esse tipo de concreto de ultra-alto desempenho tem uma infinidade de usos possíveis: tabuleiros de pontes, viadutos e passarelas, vigas, colunas, estacas, cornijas, tubos, túneis pré-fabricados, painéis acústicos, placas de revestimento de fachada, objetos de arte, mobiliário urbano e de interiores, cascos de embarcações, elementos de reservatório etc. A formulação do Ductal permite, ainda, seu emprego na execução de estruturas capazes de suportar situações extremas, como incêndios, impacto de explosões, nas edificações de alta segurança para centrais nucleares, ou na execução de contêineres de dejetos nucleares.
Uso arquitetônico
As qualidades plásticas e estéticas desse concreto vêm atraindo a atenção de arquitetos de todo o mundo, uma vez que, por ser autoportante, permite a criação de formas extremamente delgadas e complexas. Na França, o engenheiro-arquiteto Rudy Ricciotti foi um dos primeiros a explorar esse novo material, que utiliza em projetos de passarelas, residências e edifícios públicos. Sua primeira experiência foi a Passarela da Paz, em Seul, na Coreia do Sul, em 2002. O arco central tem um vão de 120 m, com 4,3 m de largura e espessura de 1,30 m. Sobre a passarela, há uma placa de concreto de apenas 3 cm de espessura. Outro projeto que obteve muito sucesso foi o do edifício Pavilhão Negro, de uma escola de dança em Aix-en-Provence, na França, no qual ele utiliza como fechamentos laterais uma malha de vigas de Ductal, de cor negra. A Vila Navarra, perto de Marselha, é famosa por ter recebido a proteção de uma cobertura finíssima, executada com o material. Recentemente, o arquiteto inaugurou a passarela da Ponte do Diabo, na província de Hérault, noroeste da França, que também vem atraindo muitas atenções.
A maior obra em execução atualmente com Ductal é a quarta pista do aeroporto de Haneda, no Japão, que estará pronta até o final do próximo ano. A pista totaliza 520 mil m² sobre o mar, e é composta de duas estruturas: uma imersa, a uma profundidade de até 70 m, constituída de pilares de aço, e a outra superior, com 192 mil m² de concreto - um total de 6.139 lajes pré-fabricadas do novo material, fixadas sobre as vigas de aço. O concreto foi escolhido por sua durabilidade, excelente resistência aos efeitos da água salgada (cerca de mil vezes superior à do concreto comum), e por sua baixa permeabilidade (sem comparação com outros tipos de concreto). Nessa obra, o fornecedor do novo concreto é a Taiheiyo Cement Corporation, associada da Lafarge no Japão.
Recuperação de estruturas
Na América do Norte, o Ductal vem sendo usado na execução, mas também na recuperação de antigas estruturas de pontes e viadutos. Nesses casos, o concreto é preparado "in loco". O conceito de recuperação consiste em substituir o concreto deteriorado pelo Ductal nas zonas sob exposições mecânica e ambiental severas. O novo produto aumenta a rigidez e a capacidade portante da obra, proporcionalmente à espessura da camada de reparação, e ainda assegura uma excelente proteção contra a penetração da água e de agentes agressivos, aumentando a resistência da peça recuperada, sem, no entanto, modificar significativamente o peso de sua estrutura. O uso do novo material é igualmente eficiente para a concepção de novas estruturas, construídas com concreto armado ou protendido.
A introdução de concretos de ultra-alto desempenho não significa que os produtos convencionais estejam superados. Na verdade, mesmo nos países onde o Ductal está sendo mais largamente empregado - além da Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão, China e Austrália - seu uso é complementar aos concretos convencionais. Os produtos de última geração são, necessariamente, fatores de progresso para todos os segmentos da construção, mas a assimilação de seus novos procedimentos nem sempre é fácil, e exige preparo do pessoal técnico, além de mão de obra especializada.
No Brasil, as possibilidades de uso dos concretos de ultra-alto desempenho ainda não estão muito bem definidas. O geólogo Carlos Campos, diretor técnico do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto) afirma que não vê, a curto e médio prazos, a viabilidade do uso desse concreto em obras correntes no País. "Até sua aceitação no mercado, grandes transformações serão necessárias." Ele é mais otimista, no entanto, com relação ao uso de pré-moldados. "Para isso, basta treinamento e a conscientização para que a receita seja criteriosamente respeitada." Segundo Campos, o material pode ser imbatível em usos específicos, "principalmente na execução de peças mecânicas sujeitas a fortes abrasões, como rotores de dragas de minério e areia, roscas sem-fim para transporte de grãos abrasivos e outras aplicações". E acrescenta: "É preciso escolher as armas certas e convenientes para, bem dosadas, atacar os problemas". O engenheiro lembra que o uso do HPC (high performance concrete) em reparos de estruturas já é corrente no Brasil. "Nossos grautes industrializados e o microconcreto com fibras e sílica ativa elaborado nos canteiros de obras desempenham bem esse papel. E a prática tem demonstrado que nossos reparos são eficientes."
O RPC (reactive powder concrete with fibers) ou, em francês, o BFUP (béton fibrés ultra performant) é ideal para as agressões sofridas pelas estruturas de concreto nos países sujeitos a baixas temperaturas, por conta dos sais (à base de cloro, principal agente promotor da corrosão de armaduras) aplicados ou lançados para acelerar o degelo. 
O custo elevado desses novos concretos é apontado por Carlos Campos como uma possível desvantagem, mas ressalta que, em aplicações específicas, pode ser competitivo. Sobre essa questão, o engenheiro Marcelo Medeiros, especialista em concreto e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) acredita que o custo alto pode dificultar sua difusão. "Mas o preço é mais alto porque o produto emprega componentes bastante nobres e, consequentemente, mais caros, tais como a sílica ativa, superplastificantes importados, fibras de aço etc.", explica Medeiros.
Não se pode esquecer, porém, que esse tipo de concreto proporciona peças mais esbeltas, pilares mais delgados, lajes mais finas, com menor volume de material. "Isso pode possibilitar a obtenção de maiores espaços internos (mais vagas nas garagens, por exemplo). E sua alta resistência à flexão resultará na economia de armadura", ressalta Medeiros. Por isso, a opção por um concreto dessa natureza deve ser criteriosamente estudada, para que se possa tirar proveito de todas as suas qualidades.
Sobre o preparo desse concreto em obra, Marcelo Medeiros acredita que isso é praticamente impossível, pois a dosagem em betoneira pode resultar em mistura de volumes pequenos, com grandes possibilidades de variabilidade na resistência obtida. Medeiros alerta que, por suas especificidades, esse concreto exige acompanhamento constante de pessoal especializado. "Seu preparo não pode ser entregue a profissionais que não entendam a importância da manutenção da dosagem sem variações ao longo de todo o processo de produção. Trata-se de um material de ultra-alta resistência e, quando aplicado, estará solicitado a altos valores de tensões. E a necessidade de redução de pontos de falha é muito mais importante do que no caso do concreto convencional, que sofre menos solicitações", finaliza.
Experiências brasileiras
Apesar de não introduzidos ainda no mercado brasileiro, os concretos de ultra-alto desempenho já são conhecidos por profissionais e pesquisadores de várias universidades do País. O concurso do aparato de proteção ao ovo (APO), realizado nos congressos do Ibracon e que desafia os alunos participantes a executarem uma peça de concreto de grande resistência, já vem utilizando a tecnologia do RPC há muito tempo. Recentemente, em concurso realizado em Goiás, um grupo de alunos da UFG (Universidade Federal de Goiás), sob a orientação dos professores Oswaldo Cascudo, Daniel Araujo e Helena Carasek, apresentou o concreto com a maior resistência já obtida e divulgada no País, sem adição de fibras - 256 MPa. Em Minas Gerais, a equipe de pesquisadores do Laboratório de Nanomateriais do Departamento de Física da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), liderada pelo professor Luiz Orlando Ladeira, desenvolveu uma tecnologia que incorpora ao cimento, durante sua fabricação, os nanotubos de carbono (NTC), a mais resistente fibra conhecida atualmente. A fabricação de NTC foi iniciada em 1999, no Laboratório de Nanomateriais da UFMG, a partir dos trabalhos de Ladeira e Marcos Assunção Pimenta, outro professor do Departamento de Física e coordenador da Rede Nacional de Pesquisa de Nanotubos. Outros três centros habilitados a fabricar atualmente o material são a UFPR (Universidade Federal do Paraná), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e USP (Universidade de São Paulo). No processo de fabricação do cimento, antes de sua adição ao gesso, o clínquer é aquecido a altas temperaturas em forno injetado com gás natural contendo carbono, fazendo surgir as partículas do NTC. Normalmente, a adição de NTC ao cimento é feita por meio de agregação física, o que eleva muito os custos. O processo desenvolvido na UFMG reduz o custo ao consumidor, que passa a ser apenas duas vezes maior. Os estudos realizados demonstram que a adição de NTC ao cimento resulta em material mais impermeável e resistente ao ataque de cloreto, mais resistente à compressão (até 80%) e à tração (25%), e reduz consideravelmente os custos de produção de concreto armado, pois demanda menos ferragens. A UFMG tem patente registrada do novo processo produtivo, e pretende agora aprofundar e disseminar o conhecimento sobre o composto, distribuindo o material para estudo entre as escolas de engenharia do País.


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