MARIANA – O desastre que a boa engenharia poderia ter evitado
Soraya Misleh
Em 27 de janeiro último, novo vazamento
de rejeitos acendeu sinal vermelho na já castigada Mariana (MG). Como
conclui laudo técnico preliminar do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o desastre ocorrido
2,5 meses antes – de grandes proporções (confira em http://goo.gl/YSLB4e)
– continua em curso. Pertencente à Samarco Minerações e parte do
Complexo Germano-Alegria, a barragem do Fundão era classificada pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) como de dano potencial
alto, mas risco baixo. Segundo o promotor de Justiça Carlos Eduardo
Ferreira Pinto, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a
investigação sobre as causas de sua ruptura deve ser concluída em dois
meses. Os indícios são de que houve falhas técnicas e omissão do Estado.
“Houve uma série de erros, desde a implantação da barragem (em 2008).
O órgão ambiental concedeu licença de instalação sem que fosse
apresentado projeto executivo. Significa dar um cheque em branco ao
empreendedor. A fiscalização da obra também não funcionou, por falta de
estrutura. São mais de 700 barragens em Minas Gerais e apenas dois
técnicos para fiscalizar, situação que se repete em todo o País. Também
não havia um plano de emergência”, afirma o promotor. Essas ações estão
previstas na Lei Federal nº 12.334/2010, que instituiu a Política
Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
Em 2013, a Samarco requereu renovação da
licença de operação (LO) do complexo, que incluiria a ampliação da
capacidade da barragem (alteamento). O MPMG solicitou então ao Instituto
Prístino laudo técnico. Apresentado em 18 de outubro daquele ano, esse
alertava para a possibilidade de colapso da estrutura. Uma das razões
era a proximidade entre a barragem do Fundão, para disposição de
rejeitos de minério de ferro da Samarco, e área pertencente à Pilha de
Estéril União, da Mina de Fábrica Nova da Vale S/A – em que se
acumulavam rochas sem minério.
Terra arrasada: um dos locais mais afetados, Bento Rodrigues teve 82% de suas edificações destruídas, mortos e desaparecidos.
“Notam-se áreas de contato entre a pilha
e a barragem. Esta situação é inadequada para o contexto de ambas
estruturas, devido à possibilidade de desestabilização do maciço da
pilha e da potencialização de processos erosivos (…). ” O laudo
fundamentou parecer do MPMG, datado de 24 do mesmo mês, que recomendou
uma série de condicionantes relativas à garantia da segurança da obra
para revalidação da LO. Questionada a respeito, a Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad),
por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou: “A barragem do Fundão
estava com o licenciamento em dia e todas as condicionantes foram
cumpridas. ”
Omissão e equívocos
Para Carlos Barreira Martinez,
coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “se o esquema construtivo
fosse outro, existe a possibilidade de que esse evento catastrófico não
acontecesse. ” A referência é à técnica adotada pela Samarco para
ampliação da capacidade da barragem, denominada “alteamento a montante”.
Embora prevista em norma, na sua visão, não deveria ter sido utilizada
nessa obra. “Como engenheiro, eu não recomendaria. ” Especialista em
segurança de barragens, o engenheiro civil Daniel Prenda de Oliveira
Aguiar explica: “Nesse processo, a barragem original recebe um novo
aterro, avançando para dentro do reservatório em relação ao dique de
partida. É utilizado como base de suporte o próprio rejeito, após um
processo de drenagem e compactação. Mesmo tomando todas as medidas de
controle e segurança durante a obra, esse processo não é recomendado
devido ao risco que oferece. As chances de ocorrer percolação (infiltração)
de água pela interface entre os sucessivos alteamentos é alta. Com
isso, pode ocorrer desestabilização do maciço e perda da capacidade de
suporte da fundação. ” Aguiar assevera que “o alteamento a jusante é
considerado mais seguro, porém, por ser também mais caro, raramente é
aplicado. ”
Também especialista em segurança de
barragens, o engenheiro civil Euclydes Cestari Junior informa que a
economia com o método adotado é da ordem de 70%. Mas pondera: “A
engenharia utiliza essa técnica com sucesso. O problema é que tem que
ter gestão da operação da barragem. ” E compara: “É como levantar um
prédio de dez andares. Se fizer com critérios técnicos, não vai
acontecer nada. ”
Para ele, os abalos sísmicos registrados
no local, por si só, não representam riscos. “Nas barragens em que há
gestão de segurança, nada acontece. ” De acordo com boletim do Centro de
Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), a Rede Sismográfica
Brasileira (RSBR) identificou seis tremores de terra de baixa magnitude
(de aproximadamente 2,5 graus na Escala Richter) próximos à mineração
Samarco na data. Segundo o comunicado, esses abalos “não são incomuns no
Brasil e mesmo em Minas Gerais (…). Normalmente, tremores de magnitude
três ou menores não causam danos diretamente em estruturas e construções
e são sentidos apenas levemente”. Engenheiro de segurança do trabalho, o
vice-presidente do Seesp, Celso Atienza, enfatiza: “Com certeza, já
havia sinais de problemas na estrutura. Um rompimento não ocorre de uma
hora para outra, dá avisos. ”
A barragem de Germano, parte do
complexo, pode ter sido afetada e estar em risco. A imprensa divulgou
imagens aéreas de trincas profundas no empreendimento. A Semad afirma
que “estão sendo monitoradas e não comprometem sua estrutura de
imediato”.
O mar de lama atingiu até o momento cerca de 40 cidades entre Minas Gerais e Espírito Santo. A reportagem do Engenheiro visitou
em 17 de dezembro último um dos locais mais afetados – o subdistrito de
Mariana, Bento Rodrigues, onde morreram 17 pessoas e 82% das
edificações foram destruídas. O cenário era de “terra arrasada”.
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